Judiciário concede guarda de bebê Yanomami a casal do garimpo

Judiciário guarda garimpo yanomami

Por Rubens Valente, Agência Pública

O Judiciário brasileiro concedeu a guarda de um bebê Yanomami a um casal que trabalha com garimpo. O bebê, cujo nome fictício é Ôxe Yanomami, nasceu no primeiro trimestre de 2021 em uma aldeia na região do rio Parima, no coração da floresta amazônica da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Com apenas oito dias de vida, Ôxe foi retirado dos braços de sua mãe e entregue a uma “dona de barraco de garimpeiro”. Essa mulher, por meio de um helicóptero contratado por R$ 13 mil por um grupo de garimpeiros, transferiu o bebê para uma família evangélica não indígena em uma cidade de Roraima. A criança foi então entregue a uma trabalhadora da radiofonia do sistema de garimpo, que opera ilegalmente dentro do território Yanomami. O companheiro dessa mulher foi posteriormente identificado como alguém que “trabalha com mineração [garimpo]”.

Durante um ano e meio, Ôxe foi criado anonimamente na cidade, sem o conhecimento das autoridades. Somente em agosto de 2022, a mulher revelou que estava criando o bebê indígena e solicitou a guarda provisória. O Judiciário entendeu que a ocultação do bebê não deveria impedir a concessão da guarda, que foi inicialmente provisória e posteriormente tornou-se definitiva em dezembro de 2023. O Ministério Público Estadual de Roraima apoiou essa decisão.

Entidades alertam que a adoção de crianças indígenas por famílias não indígenas deve seguir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece que a nova “colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade junto a membros da mesma etnia”. A história de Ôxe, cujo nome significa “criança pequena” na língua Yanomami, reflete uma realidade preocupante: a adoção de crianças Yanomami autorizada pelo Judiciário para famílias não indígenas, incluindo pessoas ligadas ao garimpo.

Segundo dados reunidos pela Vara de Infância e Juventude em um relatório produzido em março de 2023, 18 crianças indígenas haviam sido adotadas em Roraima desde janeiro de 2018. Dessas, 15 eram Yanomami. Infelizmente, apenas duas dessas adoções ocorreram dentro da própria comunidade, com indígenas adotando as crianças. As demais foram adotadas por não-indígenas. Além desses casos, em março de 2023, havia outros cinco processos de adoção de indígenas em tramitação no Judiciário de Roraima, dois dos quais envolviam crianças Yanomami. Todos esses processos tramitam sob sigilo de justiça, dificultando uma análise jornalística detalhada sobre os detalhes de cada adoção.

Essa situação levanta preocupações sobre a proteção dos direitos das crianças indígenas e a necessidade de garantir que as decisões judiciais considerem o melhor interesse da criança, bem como a preservação de sua identidade cultural e étnica. A sociedade precisa debater e encontrar soluções para evitar que crianças Yanomami sejam afastadas de suas comunidades e culturas, especialmente quando ligadas a atividades como o garimpo, que frequentemente impactam negativamente os territórios indígenas.

A história de Ôxe foi apurada pela Agência Pública junto a inúmeras fontes ao longo dos últimos meses.

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