Poeira do Saara percorre 5 mil km até a Amazônia e ajuda a recompor nutrientes perdidos por queimadas, apontam pesquisadores

Poeira do Saara percorre 5 mil km até a Amazônia e ajuda a recompor nutrientes perdidos por queimadas, apontam pesquisadores

A floresta amazônica recebeu entre janeiro e março de 2025 três ondas de poeira vinda do deserto do Saara, localizada a mais de 5 mil km de distância. O fenômeno foi registrado pela Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO), que identificou partículas transportadas por correntes de ar na alta atmosfera até a região de São Sebastião do Uatumã, no interior do Amazonas. De acordo com os pesquisadores envolvidos no monitoramento, essa poeira africana contém minerais essenciais como fósforo, potássio, cálcio e ferro — elementos escassos no solo amazônico e importantes para repor perdas causadas por queimadas.

As partículas foram captadas por sensores da torre de 325 metros de altura entre os dias 13 a 18 de janeiro, 31 de janeiro a 3 de fevereiro e 26 de fevereiro a 3 de março. Conforme explicou o coordenador da pesquisa, o doutor em Ecologia Florestal Alberto Quesada, a chegada desses nutrientes contribui para manter a produtividade da floresta, mesmo que em níveis modestos. “Há pouco fósforo, por exemplo, aqui na região. E é essencial. Esses eventos do Saara ou de queimadas sempre trazem um pouco de nutrição, mas a quantidade é pequena, então funciona mais para manter”, afirmou.

Contribuição mineral e baixa nocividade

A poeira do Saara atua como um fertilizante natural para a floresta. Os nutrientes transportados ajudam a compensar parte das perdas provocadas por queimadas, comuns em várias áreas da Amazônia. Mesmo em pequena quantidade, o aporte de fósforo e potássio tem papel relevante em regiões com solo naturalmente pobre.

Apesar de o fenômeno envolver partículas finas do tipo PM2.5, a concentração registrada — que chegou a 20 microgramas por metro cúbico, cinco vezes a média habitual da estação chuvosa — não representa risco à saúde da população, segundo o pesquisador Rafael Valiati. Ele ressalta que, ao contrário do que ocorre em regiões como a Europa, onde o fenômeno pode comprometer a qualidade do ar, na Amazônia o impacto é praticamente nulo para os habitantes. “O ar é muito fino, não funciona com poluição atmosférica”, explicou Quesada.

Como a poeira viaja até o Brasil

A viagem da poeira intercontinental ocorre na troposfera livre, entre 2 km e 5 km de altitude. Ventos intensos no deserto suspendem as partículas, que, ao atingirem essas altitudes, são capturadas por correntes de jato — fluxos de ar velozes que percorrem longas distâncias. O transporte dura entre 7 e 14 dias e depende de uma série de fatores climáticos, como a intensidade das tempestades no Saara, os padrões de ventos e a posição da Zona de Convergência Intertropical.

Esse cinturão climático, que atua sobre o oceano Atlântico, move-se para o sul durante o verão do hemisfério sul, facilitando a travessia da poeira até a América do Sul. Quando atinge a floresta amazônica, essa massa de aerossóis pode afetar, além da fertilidade do solo, também a formação de nuvens e os padrões de precipitação.

Indício de mudanças climáticas?

Embora os pesquisadores ressaltem que ainda é cedo para afirmar se há uma intensificação do fenômeno, o fato de ele ter sido registrado em três ocasiões apenas no primeiro trimestre de 2025 pode estar relacionado a alterações no comportamento climático global. “Essa evidência, no caso da poeira encontrada pela Torre ATTO, acho que é a primeira vez que vemos isso. Indica uma realidade que estamos vendo. Às vezes, é difícil para a ciência dizer que isso já é resultado das mudanças climáticas”, pontuou Quesada.

O monitoramento contínuo da atmosfera por meio da torre pode contribuir para identificar tendências e impactos em médio e longo prazo sobre o ecossistema amazônico, incluindo efeitos indiretos na biodiversidade e no regime de chuvas.

Torre ATTO: maior estrutura de pesquisa do mundo em floresta tropical

A Torre Alta de Observação da Amazônia (ATTO) é atualmente a maior estrutura de pesquisa atmosférica em floresta tropical do mundo, com 325 metros de altura — o equivalente a um prédio de 80 andares. Construída em área remota do município de São Sebastião do Uatumã, a torre foi projetada para monitorar as interações entre atmosfera, solo e vegetação em um dos biomas mais complexos do planeta.

O projeto foi financiado por meio de uma cooperação internacional entre o Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e o Governo do Amazonas, ao custo de aproximadamente 8,4 milhões de euros.

A estrutura é equipada com instrumentos de medição de alta precisão que operam 24 horas por dia, coletando dados sobre concentração de gases, temperatura, umidade, partículas em suspensão e composição química da atmosfera. O monitoramento constante possibilita compreender, por exemplo, o impacto das queimadas, da variabilidade climática e de fenômenos como o transporte de poeira intercontinental.

“É mais alta que a Torre Eiffel, só para dar uma referência. Mas é super sólida, quase um prédio”, comentou Quesada sobre a infraestrutura da torre.

Perspectivas futuras

Os pesquisadores ainda investigam os efeitos diretos e indiretos da poeira africana sobre a floresta, mas reforçam que o fenômeno, apesar de não ser novo, merece atenção constante. Além da função de reposição mineral, os aerossóis também interferem nos ciclos hídricos e climáticos, podendo alterar padrões de formação de nuvens e precipitação.

Embora ainda haja incertezas sobre a relação entre o aumento da frequência do fenômeno e as mudanças climáticas globais, o monitoramento intensivo da ATTO deve fornecer informações cruciais nos próximos anos para entender como esses eventos afetam a maior floresta tropical do planeta.

(Com informações do G1 Amazonas)

(Foto: Divulgação)

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