Aborto legal: falhas na rede de apoio penalizam meninas e mulheres

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As desigualdades sociais no Brasil são apontadas como uma das razões pelas quais meninas e mulheres buscam apoio para o aborto legal, inclusive após 22 semanas de gestação. Pesquisadoras destacam que essa busca tardia pode ser um reflexo dessas desigualdades. O Projeto de Lei 1904, que está em discussão no Congresso Nacional, propõe equiparar o aborto após esse período ao crime de homicídio, o que tem gerado amplas reações na sociedade.

Em 2021, o Brasil registrou um número recorde de estupros, com 74.930 casos, sendo 56.820 contra pessoas vulneráveis. A gravidez resultante de estupro é uma das condições que permitem o aborto legal no país. No mesmo ano, foram registrados 2.687 casos de aborto legal, com um aumento significativo entre meninas de até 14 anos.

Jacqueline Pitanguy, socióloga e pesquisadora na Ong Cepia, ressalta que muitas meninas estupradas por familiares não percebem a gravidez a tempo. A legislação atual não define um prazo para a interrupção da gravidez em caso de estupro e enfatiza que quanto mais cedo for realizado o aborto após a violência, melhor.

Mariane Marçal, enfermeira obstétrica e pesquisadora, destaca a vulnerabilidade das meninas menores de 14 anos, muitas das quais engravidam anualmente e correm um risco cinco vezes maior de morrer em uma gestação precoce.

A dificuldade em realizar aborto legal se estende também às mulheres adultas no Brasil, que enfrentam obstáculos antes das 22 semanas de gestação devido a atrasos no sistema de saúde e ordens judiciais.

Mulheres pobres no Brasil enfrentam dificuldades para acessar serviços de aborto legal, muitas vezes chegando a esses serviços com mais de 22 semanas de gestação devido a desafios como a falta de recursos para deslocamento e atrasos no sistema de saúde. A pesquisadora Mariane Marçal cita que a “objeção de consciência” dos profissionais de saúde e o agendamento prolongado de consultas são obstáculos comuns.

Paula Viana, coordenadora do Grupo Curumim (PE), destaca que apenas uma pequena porcentagem dos municípios brasileiros oferece serviços de abortamento legal, o que complica o acesso para mulheres distantes dos grandes centros urbanos. Ela compara o tratamento seguro e acessível em países como Uruguai e Argentina, onde é possível realizar o procedimento em casa.

O estigma associado ao aborto contribui para a invisibilidade dos crimes e das dificuldades enfrentadas pelas mulheres vítimas de violência. Paula Viana aponta que propostas legislativas como o PL 1904 alimentam esse estigma, gerando medo e desinformação.

A legislação brasileira atual permite o aborto em casos de estupro, risco de vida à mulher ou anencefalia fetal. A médica Albertina Duarte enfatiza que muitas mulheres que engravidam após um estupro buscam ajuda após 22 semanas. O sistema de saúde tem protocolos para atender essas mulheres sem a necessidade de um boletim de ocorrência.

A psicóloga Marina Poniwas do Conanda reforça que o aborto legal deve ser realizado de forma protetiva e segura pelo SUS, sem custos para a paciente. Ela critica a desinformação e as crenças ideológicas dos profissionais de saúde que podem resultar em uma segunda violência contra as vítimas. A lei não estabelece um limite gestacional para a interrupção da gravidez, permitindo-a também após a 22ª semana. Laudo médico e exames só serão necessários em casos de gestação de risco e de gestação de anencéfalo”, afirma Marina Poniwas.

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